Depoimento
Um livro para melhor compreender a deficiência
No dia do deficiente quero partilhar uma leitura.
Um jornalista natural da Inglaterra conheceu uma professora dos Estados Unidos da América. Cruzaram-se na Índia, num hotel de luxo, em viagens de profissão. O jornalista em reportagem. A professora universitária em estudos de investigação para doutoramento em Psicologia. Casaram envolvidos por paixão.
O futuro prometia felicidade.
Nasceu um menino. Criança para crescer com carinho e com a sina de uma vida de sonho. Um bebé com toda a perfeição criadora que todos os pais sonham.
Mas a natureza é cruel e impiedosa.
A criança perfeita crescia e despertava medos aos pais.
Na idade de falar, não dava sinais de fala. Na idade de brincar, não brincava e não se interessava por brinquedos. Quando os pais procuravam despertar a atenção do filho, acariciando-o, não estabelecia relações de afectividade, ficava indiferente. Com idade para o controlo fecal, continuava incontinente. As necessidades eram sempre ocasião de grandes incómodos, de muita agitação, obrigavam os pais a transportarem fraldas, baldes e garrafas com água para acudir aos acidentes, para dar limpeza ao menino. Os acidentes de incontinência eram precedidos e acompanhados de agitação, corpo hirto, gritos, correrias sem destino.
A vida daqueles pais tornou-se difícil. No livro conhecemos a vida daquele casal que se cruza com a vida de muitos outros pais com filhos deficientes. Um filho deficiente traz dificuldades. No livro lê-se que 80% dos casais não resistem à mudança de vida que um filho deficiente exige. Muitos não aguentam, segue-se o abandono.
Os pais daquele menino começaram a andar por médicos, por consultas de genética, por psicólogos, por neuropediatras na procura de receitas, mas os comportamentos da criança continuavam.
Está feito o anúncio. Criança com autismo, futuro sem autonomia, carente dos cuidados dos pais por toda a vida.
Porque a criança era diferente, não era criança para ama. Creche e jardim-de-infância sem resultados. Os pais sentem a discriminação, os estigmas que acompanham os filhos deficientes e também os pais. Os apoios não eram os adequados à criança, prestados a contragosto, muita informação sonegada para poupar recursos com uma criança de trato difícil, de evolução lenta, de futuro problemático.
Os comportamentos obsessivos, os acessos, o arrastar-se, o abanar dos braços, o babar-se, o sacudir e o abanar da cabeça, os comportamentos disfuncionais, a hiperactividade, a ansiedade, as birras, os gritos ensurdecedores, os acidentes de incontrolo fecal, as agressões e as auto-agressões eram barreiras à aceitação da criança e desespero dos pais.
Os comportamentos da criança chamavam a atenção, traziam olhares compassivos de alguns, olhares de rejeição de outros que acham que crianças como aquele menino não devem sair à rua para não perturbar a tranquilidade dos “normais”.
Na rua, os pais sentiam olhares de condenação, porque há quem ache que aqueles comportamentos eram tolerados por desleixo de pais que permitem abusos de um filho mal-educado, resultado de educação laxista, menino carente de umas palmadas.
Aqueles pais começaram a sentir em volta de si abandono, até dos amigos, até dos familiares. Pais condenados porque deixavam que o menino fizesse tudo o que lhe vinha à gana, menino de caprichos e de birras toleradas. A vida para aqueles pais “tornou-se um caos”, sentiam-se entregues a si mesmos, à sua sorte.
Serviços onde recorriam, fechavam-se para que não houvesse custos com terapias.
Naquele livro, o pai daquele menino dá a conhecer situações que muitos pais com filhos deficientes vivem.
E o filho crescia e cada vez mais difícil se tornava lidar com ele. Fugia e eram correrias em perseguição de uma criança que gesticulava, gritava e despertava repulsa nas pessoas. O corpo arqueava-se e entrava em convulsões. Batia-se a si próprio, mordia e agredia os pais porque os pais tentavam impedir aqueles comportamentos.
Os pais chegavam ao fim do dia exaustos. Eram os pais que já precisavam de tratamento.
Começaram a sentir dificuldade, impossibilidade na realização profissional.
A criança isolava-se e passava o tempo com gestos repetitivos. Tinha reacções despropositadas às situações, manifestava-se com gritos, agitação das mãos. Recusava os contactos de aproximação física, rejeitava as carícias.
Pais de um filho com autismo, foram invadidos pela angústia. A aceitação do filho foi precedida da inconformidade, tristeza por não terem gerado um filho perfeito.
O pai daquela criança com autismo, “no desespero da sua vida levada ao inferno”, começou a pensar em poderes estranhos que pudessem curar, porque as escolas, os técnicos, os terapeutas não conseguiam dar solução aos problemas do filho.
Um dia descobriu que o filho se tornava diferente quando se relacionava com cavalos. Pai e filho faziam horas em passeios a cavalo. E o cavalo tinha comportamentos de aceitação daquela criança.
Os pais fundaram um centro para a ocupação terapêutica do filho e de outras crianças problemáticas. A principal ocupação terapêutica é de equitação e do relacionamento com animais.
A criança começou a desenvolver comportamentos adequados. Os pais já usufruem de vida mais harmoniosa.
O livro tem por título “O Menino e o Cavalo”, é seu autor Rupert Isaacson, o centro terapêutico localiza-se na cidade de Austin, no Texas. O menino tem por nome Rowan, nasceu em Dezembro de 2001. Tem agora 8 anos.
Um convite à leitura aos que têm filhos diferentes, aos educadores de crianças diferentes.
Manuel miranda